Entre as novidades do novo programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), lançado recentemente pelo Governo Federal, está a inclusão da modalidade "melhoria habitacional". É uma introdução necessária, porque atende populações historicamente desassistidas – e as mais vulneráveis aos impactos cada vez mais frequentes e severos da mudança do clima. É preciso iniciar uma nova trajetória de desenvolvimento sustentável, justo, inclusivo e de baixo carbono. Essa transição depende do acesso a habitação de qualidade, mas também a outras infraestruturas e serviços.
Em sua primeira versão, o Minha Casa, Minha Vida teve resultados diversos. Enquanto realizou reformas de qualidade, o programa também financiou conjuntos habitacionais que hoje encontram-se degradados. São, justamente, muitas das construções da Faixa 1, destinada à população de menor renda. A degradação se deve a múltiplos fatores, que vão da má qualidade construtiva à baixa condição socioeconômica das populações atendidas e a ausência de gestão condominial.
Em que pese a importância da redução do déficit habitacional, o antigo MCMV acabou por repetir equívocos históricos no desenvolvimento urbano brasileiro: conjuntos periféricos, distantes do centro e das oportunidades urbanas. O novo MCMV parece reconhecer esses equívocos ao prever linhas de crédito específicas para a melhoria habitacional, dentre as outras formas de acesso propostas. Mas é fundamental que a modalidade, que ainda precisa ser detalhada pelo Governo Federal, promova um novo ciclo mais estruturado, que garanta moradia digna, mas também acesso a serviços, emprego, educação, saúde e lazer.
Como realizar uma reabilitação inclusiva desses territórios, para enfrentar de forma integrada os diversos desafios e lacunas que se apresentam? Um caminho é olhar para experiências em curso.
Precariedades são múltiplas e requerem abordagem integrada
No projeto Alianças para Transformação Urbana, o WRI Brasil trabalha com parceiros e a comunidade na reabilitação de dois territórios: a Comunidade do Pilar, em Recife, e o Residencial Edgar Gayoso, em Teresina. A Comunidade do Pilar foi construída em 2016 com financiamento do PAC. O Residencial Edgar Gayoso foi construído pelo Programa Minha Casa Minha Vida em 2015. Mas a transformação iniciada pelos investimentos federais foi insusuficiente para tirar as populações da situação de vulnerabilidade.
Em pleno centro do Recife, os moradores do Pilar vivem à margem dos investimentos feitos no Porto Digital, isolados entre terrenos vazios que aguardam a construção de outros conjuntos habitacionais. Os moradores ainda dependem de auxílio moradia, e os prédios nunca receberam manutenção nem contaram com gestão condominial.
A população do Edgar Gayoso vive acossada pelo calor escaldante de Teresina, que as construções simples, a ausência de arborização e a crise climática acentuam. Como em outros conjuntos habitacionais construídos para a Faixa 1, o residencial está distante e segregado das oportunidades urbanas, com acesso precário a transporte, espaços de lazer e serviço de saúde.
À primeira vista, os dois territórios evidenciam que as precariedades vão além da habitação. Sozinha, a modalidade de “melhorias habitacionais” do novo MCMV dificilmente conseguiria solucioná-las. É necessário integrar investimentos em conjuntos existentes a outras políticas, fontes de recursos e secretarias, para construir soluções sistêmicas, que deem conta da oferta de serviços e transporte coletivo, da gestão predial, condominial e social e do acesso às oportunidades de trabalho e renda.
Reconhecer desigualdades para potencializar resultados
Programas como o MCMV, que pretendem abordar as precariedades a partir da diversidade regional, precisam reconhecer essa diversidade. Parte da riqueza da experiência em Recife e Teresina advém das diferenças entre os dois territórios. Aproximados pelo abandono das construções, da gestão habitacional e do entorno e pela vulnerabilidade socioeconômica das famílias, Edgar Gayoso e Comunidade do Pilar têm diferenças significativas. Um periférico, outro central. Um distante da infraestrutura consolidada, outro cercado por ela.
Essas diferenças geram outras. A mobilização de atores privados é desafiadora na periferia, e quase imediata nos centros urbanos – sobretudo em áreas de interesse econômico como o centro histórico do Recife. O envolvimento da população local é mais desafiador no centro. Nessas áreas, há um assédio histórico sobre os moradores por pesquisadores e por planos urbanísticos não implementados, que os tornou céticos em relação às promessas de mudanças. Enquanto nas áreas periféricas, muitas vezes essas populações estão recebendo atenção pela primeira vez.
O novo MCMV deve incorporar essas diversidades regionais e locacionais em sua implementação. Investimentos em infraestrutura urbana e serviços são indispensáveis e prioritários nas áreas periféricas, enquanto as áreas centrais demandam por esforços nos diversos tipos de gestão que envolve os conjuntos habitacionais verticalizados. Por outro lado, o sucesso da governança compartilhada envolvendo os distintos atores sociais dependerá de estratégias específicas que estão relacionadas com o histórico de cada comunidade.
Oportunidade de iniciar um ciclo mais efetivo
A diretriz de mobilizar recursos e incentivos para atuar com mais força sobre as melhorias habitacionais, e não apenas com a produção de novas unidades, é um braço importante do novo Programa MCMV. Ao engendrá-lo, o Governo Federal tem a oportunidade de corrigir aspectos problemáticos dos conjuntos habitacionais advindos da sua antiga versão, reabilitando-os não apenas fisicamente, mas também sua urbanização, a qualidade de vida e as condições socioeconômicas dos seus moradores, a partir da articulação com outras pastas do governo.
A recém-criada Secretaria Nacional de Políticas para Territórios Periféricos pode vir a ser uma grande parceria nesse processo, à medida que tem, dentre seus objetivos, a identificação de territórios precários, a construção da autonomia dos atores sociais e o fortalecimento do desenvolvimento local das comunidades a partir de suas potencialidades. Esses pontos foram historicamente negligenciados nas políticas habitacionais, e é animador que sejam reconhecidos institucionalmente.
A possibilidade da articulação de forças de um projeto de governo que olhe não apenas para o número de unidades construídas, mas para as múltiplas necessidades de sua população, pode garantir o início de um novo ciclo para a política habitacional no Brasil.
Via WRI Brasil.